a carta.

a mulher mais feliz do mundo entrou-me nos olhos pela porta da frente e eu não a reconheci.
era velha e usava roupas cinzentas e coçadas que lhe tapavam toda a pele, na cabeça um enorme chapéu. na mão tinha um ramo de flores, velhas como ela, mas tristes e feias, que me arrepiaram a sede de viver. aos pés um gato pardacento e calmo. ela ia a caminho de casa e eu segui-a sem propósito, já que o caminho que ela seguia era também o que me levava ao meu destino.
ao passar o portão, ia a sair o carteiro que a ficou a ver abrir a caixa de correio e tirar de lá um envelope escrito à mão, com uma letra lisa e recta e ar de contentor de segredos. ela sorriu. ele notou-me e disse-me baixinho que o marido lhe escrevera um poema e o tinha posto na caixa do correio, no meio dos envelopes das contas que ele mesmo lá ia deixar, como em todas as outras quartas feiras, sem falhar nenhuma.
no caminho lembrei-me de toda a viagem que fiz atrás dela, sem saber que os meus passos seguiam os da mulher que eu gostava de ser.

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