está calor. sinto ar perder-se na minha garganta a caminho para os meus pulmões e há momentos em que temo que nunca chegue ao seu destino. sento-me na beirinha do muro e olho para baixo sem querer olhar, porque tenho medo de alturas e não gosto de pensar que posso cair. tento não pensar que posso cair, tento não pensar em nada. e como sempre que penso que não quero pensar, penso em ti e na inquietante falta que me fazes. bato com força com os calcanhares descalços contra o muro áspero e lembro-me que me esqueci de que também existe dor fora do meu peito. sorrio complacentemente comigo mesma, bebo um gole de água que era fresca há cinco minutos quando a comprei e que agora está a caminhar para o quente, passeio pelos meus ombros a garrafa molhada numa inútil tentativa de refrescar a pele que já arde, escondo a garrafa na minha sombra e deixo-me ficar a olhar com ternura para aquela flôr pequenina que despertou ontem de manhã aos pés do sítio no muro onde me sento sempre - sei-o porque não estava lá na tarde anterior - e que me fez companhia durante todo o ontem. tento novamente não pensar em nada, sinto a cabeça quente e temo que o cérebro rebente à menor actividade, mas penso em ti. estendo os braços para a carteira e tiro o bloco e a caixa de aguarelas. desenho para ti aquela flôr, que é pequenina e simples e que é frágil e está quase sempre sozinha ao sol e que sente de certeza a tua falta, mesmo sem nunca te ter visto, por pura solidariedade para comigo, que já lhe falei tanto de ti. despeço-me dela e prometo a ambas (a mim mesma, e à flor) que amanhã lhe tiro uma fotografia.
hoje é amanhã e alguem a matou. odeio pessoas que colhem flores!
Sem comentários:
Enviar um comentário